quarta-feira, 13 de junho de 2012

Mallu Magalhães explora sensualidade no palco e se mostra adulta nos shows

Cantora apresenta CD ‘Pitanga’ no Solar de Botafogo até quinta-feira


RIO - Exercício simples na internet: localizar dois vídeos de Mallu Magalhães. O primeiro é sua entrevista a Jô Soares no início da carreira, aos 15 anos. O segundo, Mallu cantando, mês passado, aos 19, "Me gustas tu", de Manu Chao, num show em Ribeirão Preto. O antigo traz uma menina naturalmente tímida na presença do apresentador, sem saber o que fazer com as mãos, parecendo ainda mas nova em seus risos nervosos. No recente, Mallu dança com sensualidade, passa a mão pelo corpo, solta o cabelo e puxa para cima o longo vestido, mostrando as coxas.
 
O vídeo novo — trecho do show de lançamento do CD "Pitanga", em cartaz no Solar de Botafogo desde terça até quinta — aponta para a consolidação de um processo de amadurecimento da cantora, que se reflete também no bom momento profissional, com críticas positivas, Rock In Rio Lisboa, trilha sonora ao vivo para desfile no Fashion Rio. A tomada de consciência do próprio corpo — outro nome, nota Mallu, para algo que pode ser chamado de vida adulta.
— Quando era mais nova, não via meu corpo como possibilidade artística. Até porque decidi que viveria de arte agora, no terceiro disco — conta a cantora paulista, que hoje mora no Rio com o namorado, Marcelo Camelo. — E o uso do corpo como instrumento no palco também é fruto de uma descoberta do corpo como instrumento da vida adulta. Existe uma questão de descoberta da sexualidade, da responsabilidade, ou seja, ter que trabalhar fisicamente para conseguir suas coisas, ir ao mercado e carregar suas sacolas. Toda a relação com o corpo muda. E a coisa da estrada faz com que você olhe seu corpo como sua casa. 
Crescendo publicamente
Mesmo quando menina, porém, envolvida na roda viva do fenômeno-da-internet, Malu parecia ter consciência, se não de seu corpo, de seu papel naquela dinâmica. Como se estivesse observando a situação de fora e assumisse sua parte com um "o.k., vamos brincar" — exemplo disso é a entrevista para o "Programa do Jô", na qual o apresentador a trata como uma criança de 7 anos, e Mallu aceita e dribla essa condição a todo tempo. Ela confirma:

— Eu olhava para aquilo, o meu consciente ia, voltava, ia outra vez e sem perceber eu me tornava a inocente, quase como escudo — lembra. — Não que eu desconhecesse a maldade, o duplo sentido. Eu conhecia. Mas mesmo assim eu optava por continuar sendo quem eu era. Entendia que as pessoas estavam fazendo de mim uma personagem. E isso era muito incômodo. Mas também não tirava pedaço. Afinal, eu era aquilo também. E aquela situação para mim era interessante. Ia lá, tinha lanchinhos de que eu gostava, eu tocava, que é a coisa que eu mais amo, as pessoas me tratavam bem, eu conhecia figuras, ganhava presentes, ganhava dinheiro. Que criança não gostaria de ir na loja comprar todo Lego e toda bala possível, dar uma banana pra todo mundo?

Mallu viveu (vive) uma experiência clássica do mundo pop (atravessada de diferentes maneiras por nomes como Sandy e Michael Jackson): crescer publicamente. Sua mudança de menina tímida aos 15 à mulher consciente do corpo aos 19 foi acompanhada por fãs e imprensa — e documentada nas canções confessionais, íntimas, de Mallu, para quem sua música só faz sentido quando é assim. Entre o primeiro CD, de vitalidade juvenil, e o terceiro, "Pitanga" — que traz a afirmação irônica de maturidade ("Eu tô ficando velha/ Eu tô ficando louca") e é visto pela compositora como o primeiro em que ela se mostra adulta —, ela identifica no segundo disco, de 2008, uma clara passagem.

— O segundo disco era uma vontade sem a coragem — define Mallu. — Ainda não era a entrega. O momento em que eu decidi me entregar totalmente, ser o que eu sou, me permitir crescer, ser uma mulher, uma pessoa errante, ser um adulto que não consegue algumas coisas e consegue outras, isso veio no "Pitanga". Até mesmo na feitura, o que inclui a presença do Marcelo (Camelo) na minha vida. Se você tem uma segurança em casa, as outras coisas vão bem. Quando eu consegui essa plenitude, me sentir completa como ser humano e como bicho, a parte artística ficou muito livre.

O CD de 2008 foi mais que uma passagem estética. Foi nessa época que Mallu parou para pensar se tinha escolhido o caminho certo. Os amigos passavam no vestibular, enquanto seu trabalho já não chamava mais tanta atenção.

— Morria de medo. Ia fazer shows vazios, foi um período muito difícil na minha carreira — diz. — Eu ainda não tinha encontrado minha expressão artística e já tinha passado pelo sucesso da novidade, de ser uma criança. Fiquei muito perdida, naturalmente, e com muito orgulho.

Se perder e se achar na frente das câmeras, dos microfones, da plateia, dos leitores do noticiário on-line, expondo-se sem proteção em seus versos, traz uma carga de sofrimento a Mallu. A adulta "chora no banho, péssima" com comentários agressivos sobre seu trabalho e sua vida que pipocam na internet — seja quando lança um disco ou quando é fotografada por um paparazzi.

— Quanto mais camadas você tira da frente do seu coração (ao se expor nas músicas), mais as críticas vão direto na carne. Mas não sei fazer de outro jeito. Então, eu sofro todas as flechadas. É estranho alguém estar falando de você e não ser na cara. Se a pessoa estivesse aqui, ela nunca falaria: "Você destrói qualquer música." Mas a internet é um passatempo, o cara me xinga como se estivesse jogando um joguinho — avalia com tranquilidade, antes de resvalar na menina adolescente da qual ela ainda conserva traços. — E daí que eu não sei cantar? Eu não sei cantar e você não sabe fazer nada. Fica aí jogando "Angry Birds" e falando mal dos outros. Dã.

Ela mesma, porém, não gosta de sua voz. Curte se ver no YouTube dançando enquanto canta "Me gustas tu" ("É artístico, é forte, é corajoso, é desafiador, acho bonito"). Mas assiste sem volume:

— Meu canto é muito agudo, muito criança, muito nhenhenhém. Queria ter a voz da Marylin Monroe — confessa, explicando porque escolheu a canção de Manu Chao. — Consigo pegar emprestada uma parte de mim libertária, solta, escrachada, jogada. Sexy? Sei lá. Estava dançando, encostando nas partes do meu corpo, passei a mão no cabelo e soltei. E aí foi o maior alvoroço, sei lá quantos mil views. Eu só estava dançando e me deu vontade de soltar o cabelo. Mas talvez no meu inconsciente eu tenha dito: "É aqui que vou soltar o cabelo como bandeira da minha feminilidade".

A fragilidade de sua voz ecoa seus versos — no CD "Pitanga", por exemplo, há uma felicidade que, apoiada no amor, está por um fio.
— Por um fio, é muito isso mesmo. Meu estado de espírito, o jeito como canto, as coisas que falo, o jeito como danço. Talvez seja um traço da forma como estou fazendo as coisas hoje — identifica a artista, que tem uma questão física que afeta sua voz, um nódulo nas cordas vocais. — Não é nada sério, maligno. Influencia a voz, mas outras coisas afetam mais, como uma tristeza. E eu podia sofrer de um mal muito mais sério, que é a normalidade.

Fonte: O Globo