sábado, 12 de dezembro de 2009

"Descobri o canto da música brasileira", diz Mallu Magalhães

Cantora lança segundo disco e se diz mais segura no mundo da música

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De Dylan a Bethânia: Mallu Magalhães passou a compor mais em Português e a ouvir mais música brasileira desde o primeiro disco

Ela foi alçada diretamente da internet para os principais programas da televisão brasileira. Das gravações caseiras, passou a se apresentar e a ser entrevistada ao vivo perante o julgamento de milhões de brasileiros. Aos 17 anos, a paulistana Mallu Magalhães lança o seu segundo CD e diz já estar acostumada com as perguntas e críticas do público e dos jornalistas. Consagrada pelo estilo folk, em seu novo disco ela se aventura em músicas cantadas em português (parte delas), pegada roqueira que lembra o tropicalismo e até numa levada reggae. Em mudança constante, Mallu mostra que não só sua sonoridade mudou, mas também suas opiniões. Agora ela se interessa por música brasileira e trocou o trabalho de ser artista independente pela segurança de uma gravadora como a Sony. Falante, bem diferente do que parece ser na TV, ela conversou com Época São Paulo, respondeu perguntas de fãs e improvisou uma música.


O que mudou desde o lançamento do primeiro disco?

Houve uma sensação de mais experiência. Eu sei que um ano é pouco tempo, mas são tantas coisas novas que cada show, cada perrengue, cada acerto e cada tropeço sempre contam muito pra mim. Pude aprender muito nesse tempo. Dessa vez, tive um pouco mais de preparação para fazer álbum. No primeiro, a gente só chegou no estúdio e gravou - agora fizemos uma pré-produção. Eu já imaginava que o produtor ideal seria o Kassin, por ser fã de Acabou La Tequila, Kassin +2 e da obra dele como produtor. Ele teria experiência e conhecimento suficientes para poder lidar com as duas faces: a em português e a em inglês. E teria condições de conhecer todas as referências que eu tenho.

Trabalhar com ele foi como você esperava?
A gente se deu super bem, viramos amigos. Isso também é muito gratificante, encontrar alguém com quem você tem valores morais semelhantes.

Qual foi a principal diferença entre trabalhar com o Mario Caldato e com o Kassin?
O Mario pegou um disco que já estava quase pronta. A gente já tinha tocado aquele repertório em vários shows, não foi preciso muito tempo de ensaio, nem pré-produção. Ele dava as dicas, os toques. É a mesma sensação que tenho com o Kassin porque eles são muito diretos, pontuais e “matadores”. Por exemplo: tem uma canção que você sente que está quase lá, mas não consegue descobrir o que está faltando. Eles falam: “Coloca o teclado só no segundo verso”. E não é que quando você coloca o teclado no segundo verso a coisa engata?! Essa sensibilidade é capaz de polir a obra como uma coisa inteira. O Mario e o Kassim fazem muito isso. A grande diferença foi o cuidado nos arranjos. O Kassin esteve todos os dias com a gente na produção, desde a manhã até a noite, pensando cada acorde, cada nota. Por isso, ficamos mais íntimos. Ele já conhecia o Marcelo (Camelo) e acabamos ficando amigos.

Por que você colocou apenas 13 músicas no álbum?
Eu tinha outras, mas acho que se o disco fica muito longo, pode soar cansativo. Por isso, procuro encontrar as músicas mais expressivas e características, que imprimam melhor as sensações, os sentimentos e os fatores que me rodeiam naquele momento de composição. O que acontece durante a composição é que eu faço levas de músicas. De vez em quando, uma leva tem quatro muito parecidas, falando do mesmo tema, com acordes e letras semelhantes. Sempre tem uma que diz uma coisa a mais e é mais forte.

Existe algum plano de lançar essas músicas inéditas em breve?
Penso muito na questão das coisas feitas em casa. Acho que é um caminho cada vez mais apetitoso para os artistas. A internet é também um meio de se tornar profissional. Eu pretendo fazer vídeos caseiros ou tocar nos shows. Tem algumas canções gravadas que, por decisão da Sony e do meu empresário, vão ser usadas mais tarde.

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Turnê do disco "Mallu Magalhães" deve ter início em março de 2010

Como está a sua relação com a internet hoje?
Na verdade, sou meio lerda para essas coisas. Quando entro em uma página ou em um site, preciso de tempo para ficar lá descobrindo como é aquilo, como fazer, como botar o fundo verde e não azul, como aumentar a letra, esse tipo de coisa. Eu ando sem tempo. Apesar de ser da “geração internet” e de ter utilizado como uma grande aliada, hoje não tenho tanta intimidade como no começo da carreira. Antes eu tinha tempo, agora trabalho, estudo e tenho uma vida pessoal intensa. Mas pretendo fazer isso nessas férias. Vou aprender a mexer no Twitter e no meu site vai ter um blog.

Como e por que você começou a compor mais em português?
Composição é tentar traduzir os seus sentimentos com as suas influências. Só na nossa língua a gente já tem grandes influências, os fonemas e tal. Antes da feitura do primeiro álbum, eu tinha interesse numa outra parte da música, ouvia muito folk americano e não ouvia música brasileira. No final do primeiro álbum eu sentia dificuldade de cantar aquele rasgado. Foi então que conheci Nara Leão e me apaixonei perdidamente. Descobri em mim o lugar físico por onde eu pudesse cantar sem me machucar. Descobri o canto da música brasileira. Descobri a Nara, a Gal [Costa], a Rita [Lee], que já conhecia dos Mutantes, que foi uma das minhas principais influências nesse disco, a Cristina Buarque, a Maria Bethânia. Agora também passo dias tocando as músicas do Chico [Buarque]. Isso me influenciou bastante. Até meu conhecimento literário era bastante voltado para o movimento beatnik, as minhas referências, a minha escrita, as minhas sensações e meu jeito de ver a vida já estavam muito impressos nesses livros. Hoje, já me vejo estampada em livros do Manuel de Barros, do Vinicius [de Moraes], do Drummond [Carlos Drummond de Andrade]. São influências diferentes que fazem eu me sentir mais livre e mais apta a me expressar na minha própria língua.

”Shine Yellow” é um reggae e algumas outras músicas têm uma pegada mais roqueira. Como esses ritmos foram parar no CD?
Um dia você está vendo um vídeo do Bob Marley, no outro você está ouvindo um disco e quando você vê já sabe a biografia inteira dele. Eu já tinha muita influência do Maytals e comecei a ir atrás de outras coisas. O Mario Caldato me deu vários CD-Rs com muito soul e funk. Isso tudo é fruto de várias pesquisas e influências que aparecem.

Você gosta de alguma banda de rock atual?
A Jennifer Lo-Fi que participou do meu disco, Los Hermanos, Cidadão Instigado. Mas não ouço muito rock. Gosto da Céu, do Kassin com os projetos dele, da Orquestra Imperial.

Quando começa a nova turnê?

A gente vai parar em dezembro e janeiro e voltamos com o Festival de Verão de Salvador. A turnê deve começar em março, em São Paulo.

Como você vai adaptar todos os arranjos e participações do disco para o show?
Vai ser um show só com a banda, sem metais. Vamos fazer esses arranjos em ocasiões especiais. Não tem a mínima condição colocar tudo aquilo no palco. Infelizmente não tenho esse conhecimento e essa possibilidade. Então eu me contento com os meus roqueiros.

Alguma coisa ainda te assusta no mundo da música?
Eu não gosto de drogas. Algumas coisas deixam as pessoas agressivas e não gosto disso. Eu tenho medo de dividir o mesmo ambiente com pessoas que têm essa energia ruim. E isso não é só no mundo na música. Em qualquer profissão você tem de dividir o espaço com alguém que não gosta. Com jornalistas acontece muito isso. As pessoas querem ficar cutucando, provocando, machucando o seu coração. Tenho medo das pessoas que não sabem que eu tenho coração. Todas as vezes que me atingem, me machuca muito. Eu tenho medo de ficar tão doída a ponto de não ter coragem de me pôr a machucar de novo.

Você ainda faz trabalhos de artes visuais? Sei que você gosta de fazer cursos. Eu pego o dinheiro que ganho com shows e uso para descobrir outras áreas de expressão. Sempre gostei muito de desenhar, pintar, colar e tal. Faço ilustrações de livros de poemas sob um pseudônimo e disponibilizo na internet. Sou bastante produtiva. De julho pra cá finalizei curso de construção e ilustração de livros, jornalismo de moda e figurino cênico. Quero aproveitar as férias para fazer as oficinas de pintura e escultura dos museus. No ano que vem quero explorar mais a pintura e fazer um curso de corte e costura. Me sinto muito limitada na máquina. Apesar de conseguir fazer a modelagem, tenho dificuldade de fazer o acabamento.

Com todo esse seu lado artístico, você tem vontade de fazer tatuagem?
Tenho muita vontade. Já pensei em várias coisas, um código de barra no pulso, alguma letra de canção. Acontece que a cada hora penso uma coisa. Acho que só tatuaria alguma coisa relacionada a uma mudança muito forte ou o nome de um filho, mãe. Tenho medo de depois cansar.

Você tem algum plano para quando fizer 18 anos?
Quero fazer um cartão de crédito! Para poder pagar as passagens de avião, ter uma conta de celular, fazer comprar pela internet. Como odeio bebida, não faz nenhuma diferença poder ou não beber. Também não quero dirigir ou ter carro. Amo andar a pé, pegar ônibus, metrô.

Você é vegetariana?
Eu só comi peixe durante quase um ano. O meu estômago ficou muito fraco. Eu deixei de comer várias coisas e quando você vê, está comendo broto de feijão e bebendo suco o dia inteiro. Na estrada é difícil. Larguei por questões de saúde, mas tenho vontade de continuar.

Há um ano, em entrevista para a Época São Paulo, você disse que seus pais pareciam meio tristes por causa do seu distanciamento e que tinha vontade de sair de casa. Isso mudou?
Graças a essa entidade que paira sobre as nossas cabeças, eu pude ao longo do tempo perceber o que é realmente aquela coisa toda. Eu cresci e me sinto muito mais mulher do que eu era. Quando a gente se põe no lugar de uma mãe, consegue ver que toda a condenação e proibição é amor demais. Por isso é tão doído ver a gente longe, colocando o pé na rua, indo embora, viajando ou fazendo besteira. Isso é medo e amor. Essa foi uma percepção e um ensinamento que me ajudou muito na relação. Toda vez que eu vejo que eles se sentem descontentes com uma atitude minha ou pedem para eu não fazer uma coisa, eu realmente penso e deixo de fazer muitas coisas. Não é preciso proibir quando o filho confia no pai. Quando você sabe que seu pai está falando aquilo porque ele já viveu, você não faz.

Você fica chateada em ler comentários negativos sobre você na internet?
Eu fico chateada com a burrice do meu povo. Caramba! O que que tem a gente ser diferente? De vez em quando, tenho vontade de falar pra essas pessoas: “Vai tentar!Fique em frente das câmeras com aquelas pessoas que podem destruir a sua carreira e os seus sentimentos com uma pergunta!”. Muitas vezes, num programa de televisão, você não consegue nem ser quem você é. Isso que é o pior. Eu acho que já tomei tanto na cuca que já me acostumei. Mas sou tão feliz com a minha vida, com quem eu sou, com a pessoa que amo, com as canções que componho, de ser brasileira, de falar essa língua incrível, que isso é o de menos.

*Participaram da entrevista interativa os leitores Ana Kamila Azevedo, Cora de Alvarenga, Gabriel Vidal, Marcos Vinícius de Souza Germano, Jonas Nunes Martins, Paula Salvador e Renata Porto.


Fonte: Revista Época São Paulo


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