segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

"Não tentem me desmascarar", diz Mallu Magalhães

Marco Tomazzoni, iG São Paulo

Mallu Magalhães não é mais a mesma. Depois de estourar na internet no início do ano passado, aos 15 anos, a garota passou por muita coisa – vendeu músicas para publicidade, gravou seu primeiro disco com esse dinheiro, caiu na estrada, lançou um DVD ao vivo e engatou um namoro com Marcelo Camelo, com o dobro de sua idade. Neste mês, passado pouco mais de um ano, ela entrega um segundo álbum – a estréia em uma gravadora – com uma maturidade surpreendente e confirma: chegou para ficar.

Mallu Magalhães, como o disco foi novamente batizado, dá um passo à frente na sonoridade da jovem cantora e compositora. O folk do idolatrado Bob Dylan continua lá, assim como as letras em inglês, mas o português toma conta de quase metade das 13 faixas, sem contar a ampla gama de estilos: baladas, country, reggae, guitarras tropicalistas e até pseudosambas integram o repertório. “Sou uma pessoa muito interessada e curiosa”, revela Mallu, em entrevista por telefone ao iG. “Sempre que aparece uma coisa que acho legal, interessante, vou bem a fundo, pesquisando, ouvindo.”

Apesar de não repetir o frescor pop de “J1” e “Tchubaruba”, que ajudaram a fazer sua fama, o jeito doce da adolescente permanece inalterado em músicas em “Te Acho Tão Bonito” e “É Você que Tem”, potencializadas por delicados arranjos de cordas. Declarações de amor sinceras e que, por isso, fazem com que Mallu sofra com as críticas. “Se estivesse fazendo um monte de frase pronta, só música pra boi dormir, seria mais fácil. Mas o problema é que estou dando meu coração, sabe? E de vez em quando as pessoas atiram nele e dói.”

Na entrevista abaixo, Mallu Magalhães fala do contrato com a Sony Music, da relação com Marcelo Camelo, da gravação do disco, do cisto que desenvolveu nas cordas vocais e da verdade que procurar transmitir em suas músicas, tanto que dá um recado para quem procura achar uma rachadura em sua suposta fachada: “não tentem me desmascarar”.

Divulgação

Depois de lançar primeiro álbum de forma independente, Mallu assinou contrato com a Sony

iG: Na época do lançamento do primeiro disco, você disse que estudou propostas de várias gravadoras junto com teu empresário e teu pai, mas optou por lançar como independente. O que mudou de lá pra cá?
O que mudou foi a proposta. Todas as propostas que a gente tinha recebido não cabiam na minha proposta de arte mesmo, sabe? É como se elas me deixassem muito presa e não sou assim. Eu já estou em outro momento da carreira, sinto como se tivesse mesmo num segundo passo. E além de tudo, poxa, me ofereceram um contrato super legal, em que eu primeiro faço o disco e depois vendo pra eles. Então faço o disco com total liberdade artística.

E o contrato foi para quantos discos?
Foi pra cinco (risos). Mas funciona assim: a gente faz o disco. Se não cobrirem as vendas, o contrato é anulado. Se cobrirem as vendas, vai para o segundo e assim por diante. Pra mim é bom porque de qualquer maneira queria ter dinheiro para pagar o disco e hoje em dia não se vende mais muito disco, né? Então não tem como pagar o disco com as vendas. Pra mim é melhor porque, além de me dar base financeira, econômica, me dão um patamar diante da indústria, de todo o sistema. É como se tivesse uma entrada melhor em rádio, uma distribuição muito maior, e estão fazendo vários planos de mídia digital. Estou super contente, sinto que eu tenho uma base mais forte agora.

Como foi voltar ao estúdio em tão pouco tempo?
Por mim, eu iria ao estúdio toda semana (risos), porque eu componho pra caramba, né? Escrevo muito. Pra mim é ruim porque, como escrevo muito, é como seu fizesse a canção e semanas depois ela já ficasse mais fraca do que no próprio dia. Hoje eu faço uma coisa que me ajuda pra caramba: quando escrevo a canção, eu canto e filmo, porque daí pelo menos depois de um tempo se tivesse que tocar ou lembrar a emoção que queria passar, assisto aquilo e consigo reacender isso dentro de mim.

Como você compõe? Primeiro vem a melodia, depois a letra, ou você faz tudo junto no violão?
Na verdade, cada hora funciona de um jeito, mas no geral primeiro vem a melodia e depois vou colocando a letra. O que acontece algumas vezes é que tenho alguma ideia, alguma narrativa, sensação dentro da minha cabeça e estivesse esperando aparecer uma melodia que traduzisse bem esse sentimento e tento transformar isso em canção, transpor isso em palavras, fonemas que combinem com a melodia. É trabalho duro. É bem fluente, natural, mas exige muita dedicação. Eu, como boa virginiana, vou até o final.

Você tem um caderno, um baú para guardar essas composições?
Tenho vários, na verdade. Não tenho organização suficiente pra ter um caderno só, tenho trocentos. Tenho cadernos com 300 páginas só com duas músicas, sabe como é. Sou daquelas pessoas que compra agenda achando que vai usar em 2010 e no final das contas, termina o ano e tem duas anotações (risos).

Voltando ao estúdio, como foi o trabalho com o Kassin? A princípio o produtor ia ser o Mario Caldato de novo, não?
Na verdade, tinha pensado nos dois juntos, o Caldato e o Kassin. Só que o Caldato voltou para Los Angeles e daí não casaria a agenda. Além de tudo, achei que o Kassin seria suficiente porque ele tem conhecimento dos dois lados, das duas faces, do português e inglês, tanto de eletrônico e rock 'n' roll como de bossa nova e samba. Ele saberia bem lidar com isso. Sempre admirei ele pra caramba, tanto pelos discos que ele produziu quanto a pessoa.

Pra mim, "My Home Is My Man" é uma das coisas mais roqueiras que você já fez, mas ao mesmo tempo, no disco, você não toca instrumentos elétricos. Eles não te atraem ou você até brinca com eles de vez em quando?
Não, eu adoro! Eu queria comprar, mas tô meio sem grana. Adoro guitarra e adoro sintetizador. Inclusive estou até começando a tocar. No "O Herói, o Marginal", sou eu que toco a guitarra, que é aquela do início [imita com a boca]. Tinha inventado há três anos no violão [continua imitando].

Como é a influência do Marcelo [Camelo] nas suas composições? Pode parecer algo meio subjetivo, mas pra mim a cadência das tuas letras em português lembra um pouco o trabalho dele. "Versinho de Número Um" e "É Você que Tem", por exemplo.
Sempre fui muito fã do Marcelo, desde os Los Hermanos, e virei depois do disco solo. Tem a influência do Marcelo artista, assim como me influenciam o Chico, o Caetano. E eu acho que minha relação pessoal com ele me faz cantar para o Marcelo pessoa. Isso não tem como esconder, os meus sentimentos ficam tão abertos e descarados nas canções que não adianta nem não quer falar.

Falando nisso, "Make It Easy" é uma espécie de conversa com a tua mãe, e em "Compromisso" aparece teu pai. O que você acha de se expor nas suas músicas?
É quem eu sou, sou assim. Não é que goste de me expor, ou de expor a minha intimidade, mas inventei pra mim um jeito de compor músicas que é exatamente o que eu vivo. Não consigo, nem quero, compor canções de frases prontas, sabe? Do tipo "volta pra mim, agora que eu estou uma pessoa melhor". Na verdade, não estou precisando que ninguém volte pra mim nem sou uma pessoa melhor, então... Se um dia eu quiser que alguém volte pra mim ou eu for uma pessoa melhor, vou cantar. Fico vendo essas canções da atualidade, e poxa, são coisas que claramente a pessoa não passou. Acredito que toda emoção é válida. Mesmo sendo frases prontas, já é válido por emocionar alguém. Mas acho que o que minha música tem de grande diferencial é a sinceridade.

Isso é quase como se fosse um reality show o tempo inteiro, não? Não tem seu lado negativo?
De vez em quando isso é muito ruim. Fico com o coração tão aberto, porque meu trabalho é isso. Tem as críticas, tanto construtivas como destrutivas, e várias pessoas falam mal, xingam, isso me machuca muito mais. Se estivesse fazendo um monte de frase pronta, só música pra boi dormir, seria mais fácil, dane-se. Mas o problema é eu não estou, estou dando meu coração, sabe? E de vez em quando as pessoas atiram nele e dói [pequena pausa]. Mas também não tem problema, eu tento ficar ciente desse perigo. Estou me expondo, sei que isso é uma abertura muito grande, coisa que, inclusive, talvez 90% dos compositores não fazem. São retratos muito verdadeiros. E eu, sinceramente, não seguiria outro caminho. Mesmo sentindo, doendo, prefiro ser quem eu sou.

Divulgação

"Mesmo sentindo, doendo, prefiro ser que eu sou", diz a cantora, sobre as críticas que recebe

Voltando a falar das músicas, em "Compromisso" você fala em rotina. Tua vida ainda tem um pouco disso, de rotina?
A minha profissão não é nada previsível, né? Tem meses que, sem brincadeira, você não ganha um real, porque ninguém paga e tal, mas tem meses, em compensação, que você ganha um monte. Então é muito maluco. Mas tem uma rotina básica, de fazer a imprensa, shows, ensaios. Essa canção escrevi numa fase da minha vida em que não estava entendendo mais nada, sabe? Trocentas entrevistas por dia, várias outras coisas, e não conseguia ter tempo pra mim. Pensava mais onde queria estar do que onde eu estava. A gente acaba fazendo muito, muito sacríficio. Em entrevista mesmo. É legal quando se encontra alguém bacana, mas de vez em quando a gente vai de coração aberto e a pessoa começa a te cutucar, querer achar defeito, te desmascarar, só que principalmente com esse disco não tem máscara. Pô, não tentem me desmascarar, vão acabar arrancando minha pele.

Você falou da dificuldade de em alguns meses não receber nada. Você só tem um disco – já dá para viver de direitos autorais? Ou são os shows mesmo que pagam as contas?
Na verdade, depende do tamanho artista e do tipo de música. Acho que existe um mercado de música alternativa que é muito rico, de intelectuais. E tem um mercado que dá muito dinheiro, que é aquele das pessoas que cantam música mais pra baile, pra festa, e que acabam conseguindo tirar mais dinheiro de festivais, são mais populares. Ainda não sei muito bem onde eu caibo, talvez esteja criando um novo canal, um canal intermediário entre fazer festivais, coisas grandes, mas ao mesmo tempo continuar essa pessoa na internet, colocando vídeo de eu tocando no quarto, sabe? É um meio termo. Na questão financeira, fico tentando encontrar meios alternativos. O meu empresário, Rafael Rossatto, da Agência da Música, tem bastante visão e acho que a gente combina muito por isso também, porque ele procura a publicidade, uma oportunidade de marketing, de parcerias mesmo, e também de dinheiro, né? A gente não pode viver na ilusão porque uma agora acaba, você fica sem, precisa comer.

Fiquei curioso: o que você quer dizer com música de baile? Tem a ver com quem toca para um público maior, toca na rádio, ou que faz mesmo música pra festa, como axé?
Tem pessoas que tocam para um público muito maior, por exemplo, a Ivete. Esse mercado é grande e as pessoas conseguem puxar uma grana com um suor enorme. Eu não conseguiria fazer, essa coisa de subir no palco e pular, pular, cantar, cantar. Ter um ônibus e sair por aí fazendo literalmente shows todo dia. Lógico que ganha dinheiro. Em compensação, haja dedicação. Eu, pessoalmente, não teria disposição, sou bastante frágil. Minha voz precisa de vários cuidados, minha goela é super passarinho, e eu sou uma pessoa muito sentimental (risos). Sei lá, ainda não me sinto muito pronta. Mas também já passei por cada perrengue, de fazer três, quatro shows seguidos, e dormir no aeroporto, no avião, ou de pegar hotel que não tem televisão e eu não conseguir dormir (risos). Mas a gente vai se acostumando. Acho que tento fazer algo intermediário.

Você falou da tua voz e fiquei sabendo que você tem um cisto nas cordas vocais. Queria que você falasse um pouco disso, como é que apareceu e o que dá para fazer.
Eu sempre fiquei muito rouca, terminava o show sem voz. Fui procurar minha professora de canto, a Eliete Negreiros, que me ajudou pra caramba e me aconselhou a ir a um médico. Descobri que tenho calo e rachadura, que é meio normal, mas o que mais me assustou foi o cisto que apareceu depois de um tempo. Tem gente que diz que é psicossomático, e de repente é, sou muito tímida e, não sei, tem alguma coisa dentro de mim que eu prendo. Pô, a gente engole tanto sapo, né? Tem que lidar com essas coisas de crítica, de gente falando bobagem... Acho que aturei tanta coisa em tão pouco tempo que pode ter sido isso mesmo, somou o esforço físico com o desgaste emocional. Agora todo dia faço muitos exercícios pra voz, geralmente mais de meia hora, 45 minutos. Faço um monte de "rrrr", para ajudar a ganhar força. E consegui diminuir o cisto, com muito exercício, muito cuidado, mas tem épocas em fase de show, entrevista, que ele fica mais irritado. A questão é não exagerar e levar para o caminho da tranquilidade, tento ser calma diante de tudo. Me equilibrar em situações que eu posso sentir muita coisa, proteger meu coração.

Os shows do disco começam quando? A gravadora vai gerenciá-los ou ter uma influência maior nisso?
A gravadora vai estar mais ligada à divulgação em rádio, Internet e celular, e na distribuição. Ainda não sei como vão ser os shows, mas acho que a mesma coisa. A gente vem ensaiando pra caramba em como fazer os arranjos do CD no show. Tem algumas canções do CD que não funcionariam no show, né? A gente ensaia todas e vai fazendo o setlist. Vamos ter oportunidade de ir pra um teatro, de apresentar o show, mais ou menos em março. Até lá, vamos trabalhar bastante, fazer ensaios com os metais, cordas, talvez até convidar as pessoas que cantaram e fazer uma estreia.

Como está a questão da escola? Vou acabou, largou por um tempo, continuou...
Continuei, firme e forte, mas com vários problemas. Pessoalmente sempre fui uma pessoa estudiosa e dedicada, então pra mim foi bastante doloroso deixar meio de lado, ter outras responsabilidades, outras coisas pra me concentrar, e muito confuso, não sabia o que era pra estudar, se era música ou se era química. O que eu fiz? Optei por me dedicar muito à música, à minha profissão, às artes, aos meus interesses, mas não deixar de lado os conteúdos escolares mínimos pra depois ter a oportunidade de fazer uma faculdade. Então fui pra um colégio mais fácil, que me possibilitasse faltar algumas vezes, faltar às provas, completar por trabalho. Estou indo para o terceiro ano.

Como é que você imagina teu futuro? Você pensa em continuar gravando, compondo muito e viajando pra fazer shows por aí ou depois diminuir o ritmo?
Acho que vão ter fases, como tiveram até agora. Pessoalmente tento imaginar minha carreira como uma caminhada, longa e com momentos de maior tranquilidade, momentos de mais trabalho, de obstáculos. Isso que me dá boa parte da força para continuar. E eu tenho fôlego na minha vida pra ver outras coisas, de que outro lado posso tentar, como pintar, escrever, costurar. Acho que ainda vai durar bastante.

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